WANDERLEY NOVATO

ESTUDO DE CASO - A METÁFORA DO CÉREBRO NAS ORGANIZAÇÕES
Afinal, quem é que manda?
Na administradora Ancar Ivanhoe, o presidente tem dia de segurança, o segurança opina na contratação do diretor e os diretores discutem o plano estratégico com as bases. Estranho? Tem dado certo.
RAQUEL SALGADO |Época Negócios
Em: https://epocanegocios.globo.com/Informacao/Visao/noticia/2012/09/afinal-quem-e-que-manda.html
Me perdoe se você é um chefe (e que me desculpem os meus, aqui na revista), mas a grande verdade sobre chefes é: em geral, eles trazem mais problemas que soluções. O mundo estaria melhor sem eles – ou, pelo menos, sem boa parte deles. É claro que a ausência completa de liderança pode ser desastrosa. As decisões levam muito mais tempo, há o risco de criar castas que só tomem decisões confortáveis ou, no caminho oposto, há o grande risco de que a pressão dos pares seja muito pior que a pressão de um único comandante. Mas é inegável que a vida pode ser muito melhor com menos chefes, e não só para os liderados. Também para os acionistas. Para que haja menos chefes, porém, é preciso outro estilo de gestão: baseado no engajamento, na autonomia, no preparo. É esse caminho que a administradora de shoppings Ancar Ivanhoe decidiu trilhar. Passou a ouvir os funcionários da base e deu-lhes poder de veto em contratações. Também estimula diretores e o presidente a trocar de função com faxineiros e vigilantes. A seguir, o método da Ancar para mudar sua cultura, reduzir a hierarquia – e melhorar seus resultados financeiros.
1. O PROBLEMA
Crescer sem se perder
A economia crescia, o consumo bombava, e a administradora de shopping centers Ancar Ivanhoe assumiu uma meta ousada: duplicar de tamanho em cinco anos. O gargalo para uma empresa de serviços crescer tanto costuma ser... os serviços. O ganho de escala é pequeno e, para melhorar a produtividade, só mesmo aumentando o engajamento e a autonomia do pessoal. “Precisávamos mudar”, diz Evandro Ferrer, presidente da Ancar. “Éramos uma empresa hierárquica, baseada em relações de controle e comando, com uma cultura de só fazer o que o chefe pedisse.”
2. A DECISÃO
Abrir mão do Controle
Para transformar a cultura corporativa, a Ancar contratou a consultoria Muttare, especializada em gestão de pessoas. O objetivo era construir uma liderança participativa. “O sistema hierarquizado torna a empresa cara, engessada e morosa”, diz Roberta Ebina, sócia da consultoria. O plano de trabalho na Ancar tinha três fases. A primeira: conscientizar os líderes a aceitar a descentralização e valorizar os subordinados. A segunda: estimulá-los a extrapolar as funções regulares. Finalmente, com gente mais ativa, seria possível reduzir os níveis hierárquicos. “Quanto mais horizontal for a estrutura, mais ágeis e próximos do cliente ficamos”, diz Ferrer.
3. PASSO A PASSO
Passo 1
Entender os funcionários
Tudo começa com o autoconhecimento. Na primeira fase do programa da Ancar, 300 gestores foram instados a pensar em si próprios e seus métodos. A ideia era “mudar um modelo mental enraizado há muitos anos nas empresas”, diz Roberta. Não é um treinamento fácil. Envolveu, por exemplo, trocar de função, para viver a realidade dos funcionários. Ferrer, o presidente, já fez as vezes de segurança, faxineiro e porteiro. De que serve isso? Quando um superintendente assumiu a função de cuidar da cancela do estacionamento, percebeu que ficava exposto ao Sol e à chuva. Dias depois, o local ganhou uma cobertura. Da mesma forma, percebeu-se que os faxineiros raramente conseguiam parar para beber água. Então, ganharam garrafinhas. A empresa implantou também um sistema para ouvir os funcionários. O superintendente de cada shopping tem de fazer reuniões mensais com 12 a 15 pessoas, para ouvir queixas e ideias dos cerca de 300 funcionários – longe de seus chefes.
Passo 2
Distribuir o poder
O treinamento dos líderes foi apenas o pré-requisito para a verdadeira intenção: dar autonomia aos funcionários. “Não dava para chegar e falar: de agora em diante essa empresa vai romper os padrões de hierarquia”, diz Carlos Martins, superintendente do Shopping Nova América, no Rio de Janeiro. Hoje, dá. Qualquer promoção ou contratação precisa do aval de toda a equipe. “A pessoa precisa ser aprovada por seus futuros pares e funcionários”, diz Léia Cardoso, chefe do RH. A estratégia anual dos shoppings, antes traçada por um pequeno grupo de gestores, agora é desenhada com as equipes. Eles coletam as sugestões dos funcionários sobre possíveis melhoras dos processos. “Quem vê idosos sentados numa mureta e percebe a necessidade de mais cadeiras é quem faz a segurança ou a faxina, não o superintendente.”
A autonomia melhora os serviços. Antes, se a cancela do estacionamento não abria para um cliente, o porteiro falava com o gerente, que levava o caso ao supervisor (e o cliente esperando). Agora, o porteiro decide.
Passo 3
Dar adeus aos chefes
Depois de preparar os gestores e seus liderados, a empresa estava pronta para reduzir os níveis hierárquicos. A área de recursos humanos foi a primeira a experimentar a nova formatação. Os cargos de gerência foram extintos: só há líderes e analistas.
O nome do cargo é o que menos importa. Um projeto é tocado por quem o sugeriu, seja um estagiário ou um funcionário experiente. “Montamos uma célula para cada projeto e nela podem trabalhar pessoas de setores diferentes. O líder não precisa estar nessa célula. Ele acompanha de longe, no papel de facilitador, não de chefe”, afirma Léia. Dentro dos shoppings, a área de segurança passou pelo mesmo processo.
Há um ano, havia cinco níveis hierárquicos: gerente, supervisor, coordenador, líder e vigilante. Agora são três. A meta é estender isso para os demais setores, de limpeza e manutenção, e chegar a dois níveis. “Não vamos deixar de ter hierarquia, mas ela será mínima e servirá para organizar a companhia, não para controlar funcionários”, diz Ferrer.
4. OS RESULTADOS
Engajamento maior, gastos menores
Esse longo processo de dar autonomia aos funcionários começou a dar resultados mais evidentes nos últimos dois anos. Exemplos? Em um dos shoppings em Brasília, um faxineiro que participava de uma reunião multidisciplinar sugeriu que fosse criado um local, no último andar do prédio, para cultivar as plantas que decoravam o empreendimento. Em vez de comprar as mudas, o shopping teria seu próprio viveiro. A iniciativa reduziu os gastos com paisagismo em 50% – o equivalente a R$ 750 mil ao ano. No Pantanal Shopping, em Cuiabá, um bombeiro hidráulico propôs construir um poço artesiano para reduzir os gastos com água e chamou colegas para ajudar na obra. O dinheiro economizado pelo poço foi revertido em um reajuste no valor do vale-alimentação de todos os funcionários. No Shopping Nova América, do Rio de Janeiro, os funcionários discutiam sobre seus novos uniformes. Um vigilante disse que conhecia um fornecedor com ótimo custo-benefício. “Em outros tempos, nem teríamos aberto esse debate. Já teríamos nosso fornecedor e pronto”, diz Carlos Martins, superintendente do local. Essa indicação proporcionou uma economia de 20% nos gastos com uniformes.
A iniciativa será replicada em outros shoppings. No mesmo shopping, os funcionários da limpeza estavam descontentes com a escala de trabalho de sete horas diárias, seis dias por semana. Propuseram fazer turnos de 12 horas de trabalho com 36 de descanso.
A ideia proporcionou uma economia de R$ 90 mil nos gastos com transporte e vale-refeição. “Se não tivéssemos mudado a cabeça da liderança, esse tipo de iniciativa jamais viria à tona. Conseguimos engajar os funcionários em torno de um objetivo comum: encantar o cliente”, diz Ferrer. Ideias como essas – além, é claro, do crescimento do varejo no país – levaram a empresa a cumprir a meta de duplicar o faturamento em cinco anos, para R$ 580 milhões.
5. O FUTURO
Democracia total?
A Ancar diz que vai avançar mais na direção da autonomia. Uma ideia é que as próprias equipes definam seus salários e promoções. É uma trilha seguida por empresas como a produtora de videogames americana Valve (300 funcionários, nenhum chefe), a indústria química americana Gore (10 mil “associados”, faturamento de US$ 3 bilhões) e algumas unidades da GE que produzem equipamentos de aviação (um gerente define metas de produção, mas não estabelece processos). A avaliação desse tipo de gestão é inconclusiva. Alguns estudos mostram que empregados com autonomia tendem a ser mais eficientes – quando as equipes se dão bem.
QUESTÕES – METÁFORA DO CÉREBRO
ESTUDO DE CASO ANCAR IVANHOE
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Quais as vantagens de uma empresa que funcione dessa maneira?
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Quais os problemas de uma empresa que funcione dessa maneira?
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Você acha que essa forma de gestão possa ser generalizada? Ou empresas assim serão sempre exceções? Onde “sim”, e onde “nâo”? (Setores, áreas...). Porque sim e porque não?
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Você acha que a cultura brasileira ajuda ou atrapalha o sucesso dessa forma de gestão? (Pode falar de diferentes regiões, se quiser).
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Quais as dificuldades de implementação de um método como esse?
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O que seria necessário para fazer essa implementação?