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JAZZ E ADMINISTRAÇÃO

II Jornada de Administração / PUC Minas
Modelos de Análise Organizacional: Orquestras Sinfônicas ou Bandas de Jazz?

                                                josé wanderley Novato-Silva


1. Introdução


O atual estágio de desenvolvimento do capitalismo sugere uma discussão sobre que formatos terão as organizações do futuro, uma vez que a fábrica robotizada e o shopping virtual já mostraram suas faces.

A literatura tem criado inúmeras expressões para descrever aspectos das novas organizações - “learning organizations” – e aspectos da nova administração – “gestão do conhecimento” etc. Muitos preferem acreditar que tais novidades não passam de modismos gerenciais ou “pop-management” - como tantos que assolam o campo de conhecimento ainda frágil da Administração, porque a face cruel do capitalismo não pode conceber formas tão “simpáticas”...  Estarão as organizações e as pessoas aí inseridas condenadas ao “horror” da “exploração”?

No entanto parecem surgir, eventualmente, organizações que procuram modelos, se não “desorganizados”, pelo menos pouco tradicionais - criando ambientes de trabalho fundados na cooperação entre pessoas. Não se trata de romanticamente devanear em torno de uma sociedade alternativa, mas sim o reconhecimento de práticas de autogestão, de cooperação, de equipes multifuncionais etc. que, se não são estruturas generalizáveis não deixam, no entanto, de, em certos contextos, constituírem-se em uma alternativa  possível. 

Porque uma organização poderia tomar uma banda de jazz, senão como modelo, mas como inspiração válida de estruturação e funcionamento? Esta pergunta ganha sentido se levarmos em conta as profundas transformações pelas quais passam hoje as organizações, nem tanto para se “adaptarem às turbulências do ambiente”, como repete o chavão da administração, mas para criarem, através de um esforço interno, novos formatos que permitam mais inovação, eficiência e eficácia.

A pergunta que serve de ponto de partida para esse debate encontra sua contraposição na afirmativa de que uma orquestra sinfônica poderia ser um modelo mais “viável”. Este trabalho procurará inicialmente explicitar as diferenças entre as duas concepções, e, em seguida, explorar as características da banda de jazz para justificar as pretensões levantadas por essa indagação.

2. A orquestra sinfônica e a banda de jazz

Se formos considerar hoje as diferenças entre um grupo de jazz contemporâneo e as principais orquestras em funcionamento no mundo teremos como pontos principais:
a . a orquestra é um grupamento de dimensões muito maiores
b . a orquestra tem um condutor (o maestro, que funciona como um gerente controlador)
c . a orquestra dedica-se  a executar um repertório não-inédito, em grande parte bastante antigo e conhecido do seu público
d . a orquestra tem uma presença bastante formal e tradicional (lay-out, indumentária, atitudes, etc.)
e . a orquestra é um grupamento bastante estável no tempo ( as mais importantes tem muitas dezenas de anos, ou até mais de uma centena).

Em contraposição:

a . os grupos de jazz desde o seu nascimento são pequenos, contando geralmente com 4 ou 5 integrantes
b . os grupos de jazz não apresentam um maestro (salvo no período das big-bands, onde o formato sinfônico foi copiado pelo jazz no seu esforço de popularização e aceitação - ainda assim o maestro da big-band era sempre um músico que participava da execução e eventualmente regia a banda com o seu instrumento (trompete, clarinete) na mão.
c . o repertório dos grupos de jazz é geralmente inédito, composto pelos integrantes do grupo ou trata-se de material improvisado, isto é, canções ou temas modificados insistentemente pelos integrantes muitas vezes até o limite do seu não reconhecimento ( o próximo tópico versará sobre esse assunto).
d . os grupos de jazz se apresentam de modo bastante informal, inclusive variando sua indumentária de grupo para grupo (alguns como o Modern Jazz Quartet fazia questão do terno e gravata; alguns, como a orquestra de Sun-Ra  usava uma indumentária hippie bastante extravagante).
e . os grupos de jazz, com raras exceções, tem formações bastante instáveis, muitas vezes existindo apenas para a gravação de um disco ou uma apresentação ao vivo. A circulação de integrantes é intensa.

Do ponto de vista do formato é lícito afirmar que, considerando o pequeno espaço de tempo desde que surgiu, a banda de jazz sofreu muito mais transformações desde o seu surgimento que a orquestra sinfônica. Desde o início do século os grupos de jazz variaram muito de tamanho e abandonaram uma série de instrumentos, substituindo-os por outros. Seus próprios integrantes muitas vezes reinventaram o uso de instrumentos tradicionais, explorando-os de maneiras extravagantes. Instrumentos que eram fundamentais nas primeiras bandas (como o clarinete) estão em desuso nas bandas modernas, enquanto outros (como o saxofone) assumiram papel de destaque. Os grupos de jazz absorveram o uso da música eletrificada e depois a eletrônica sem corromper os fundamentos básicos que definem o estilo.

Pode-se afirmar que isso se deveu à extraordinária velocidade com que o jazz mudou seus estilos e revolucionou as concepções vigentes no próprio jazz. No próximo capítulo vamos descrever como essa inquietude faz parte do próprio jazz. No entanto cabe aqui a afirmação de que em 100 anos de história o jazz não apresentou em cada uma das décadas desse século a mesma face: do ragtime ao acid-jazz percorreu um caminho em que absorveu outras influências e influenciou outros gêneros e estilos.

A orquestra sinfônica, tal como a conhecemos é basicamente a mesma desde os fins do século XVIII, sendo que foram os compositores do período romântico, no século XIX que confirmaram sua configuração. O posicionamento e mesmo a indumentária dos integrantes sofreu pouca variação. Vale, no entanto, esclarecer que a orquestra sinfônica não é o único veículo da música erudita (que tem outros veículos em quartetos, trios e outras formações menores), mas apenas um deles - correspondendo à manutenção antiquada do modelo romântico de composição, que na época era autoral e autêntico.
Em outras palavras: se é verdade que Beethoven ou Wagner se utilizaram da orquestra sinfônica para expressarem musicalmente suas idéias, hoje em dia a orquestra não passa de um instrumento que, ao executar o seu repertório característico, ecoa esse passado brilhante. Daí a resistência com que a orquestra recebe qualquer inovação, recusando-se frequentemente a executar a música erudita que é feita hoje, mesmo quando desenhada para o seu formato (Tornou-se célebre a recusa da Filarmônica de Nova York a interpretar a música do compositor minimalista Philip Glass, sob o argumento de que era “monótona”). Como consequência, a quase totalidade da música erudita contemporânea é feita para outros grupos menores, que se parecem bastante com os grupos de jazz em sua instabilidade e inovação.

3. Alguns fundamentos do jazz importantes para a gestão

A improvisação é talvez a marca mais significativa do jazz - espera-se de qualquer músico de jazz que saiba improvisar, isto é, criar em tempo real combinações harmônicas, rítmicas e melódicas originais, talvez irrepetíveis (embora hoje em dia a gravação possibilite a perenização desses arroubos). O curioso no tocante à improvisação no jazz é que todos os músicos do grupo improvisam, embora não necessariamente ao mesmo tempo (esse procedimento é pateticamente imitado pelas bandas de rock quando, ao final de cada apresentação são concedidos 1 ou 2 minutos para que o baterista e outros integrantes mais obscuros possam mostrar seu “talento”). No jazz a improvisação é a música a ser tocada, confunde-se com ela. O fato da improvisação ser coletiva torna obrigatória a existência de certas regras para que não se instale o caos sonoro. O que torna o jazz um música tão difícil para o leigo é que ele não conhece essas regras e frequentemente acredita que os músicos de jazz são “um pouco loucos”, tocando desesperadamente uns para os outros uma música sem sentido. Isso nos remete a outro ponto fundamental do jazz, que é o virtuosismo de quem pratica o gênero. Para ser aceito no mundo do jazz é fundamental muito mais do que saber tocar um instrumento: é necessário conhecê-lo e dominá-lo totalmente, bem como conhecer música profundamente (o que não significa necessariamente saber ler uma partitura, mas reconhecer os acordes e tocar melodias inéditas sobre eles - o que pode ser feito “de ouvido”). O músico da orquestra, em contraposição, não necessita improvisar - ele toca o que “está escrito” na partitura, tentando ser o mais fiel possível à idéia do autor e obedecendo à interpretação orientada pelo seu maestro.

Sobre o maestro, figura importante nesse contexto, cabe uma observação especial. A origem do regente moderno é bastante conhecida. Trata-se de uma prolongação dos “mestres” presentes nas cortes a partir do século XVI, que além de professor formador das pequenas orquestras da corte (que tinham em torno de dez ou doze músicos) era incumbido de compor música para todas as ocasiões como casamentos, batizados e festividades da corte. Esses mestres tinham como função além de compor música, formar uma orquestra - educando músicos - e tocar vários instrumentos. Geralmente, como primeiro-violino, conduzia a orquestra enquanto participava da execução. O crescimento da orquestra levou ao que chamaríamos em Administração de divisão do trabalho, através de uma departamentalização em áreas como cordas, madeiras, metais, etc. Para disciplinar essa massa que crescia incessantemente (algumas orquestras ultrapassavam uma centena de músicos) o regente dissociou-se finalmente da execução e passou apenas a orientar a interpretação. Quando em 1820 um maestro inglês (Louis Spohr) apareceu diante da Sociedade Filarmônica de Londres para reger sua Segunda Sinfonia e sacou uma pequena vareta de madeira do bolso - a primeira batuta - foi olhado com aborrecimento pelos membros da orquestra (há registros do uso do arco do violino, ou de partituras “enroladas” com essa função desde o século XVI. Hoje em dia a batuta é geralmente de fibra de carbono). Durante todo o século XIX muitos músicos detestavam a batuta, sempre argumentando que ela representava um excesso no controle e uma limitação da sua expansão. No entanto a era de Beethoven, Schubert, Berlioz e Mendelssohn consagrou o compositor regente - e a partir daí a figura do maestro fixou-se no imaginário ocidental como responsável pelo sucesso do concerto, sendo a ele dirigidos os aplausos ao final da execução (como nossos gerentes esperam ...).

O grupo de jazz, ao contrário, tem muito maior liberdade na execução de sua música improvisando em torno de algumas regras, porém visando um objetivo específico comum: a execução esteticamente correta de uma determinada peça. A figura do maestro torna-se dispensável, uma vez que existe um acordo tácito entre os integrantes sobre o que deve ser feito pelo grupo e o que cabe a cada um fazer - sendo que cada integrante trabalha com liberdade (dentro das regras) para fazer sua parte individual. Assim, embora seja um gênero que permita ao máximo a expansão dos talentos individuais, o jazz é basicamente uma criação coletiva, onde cada músico necessariamente se apoia sobre os outros para executar sua parte. Quando o trompete se projeta em um solo o contrabaixo limita-se a marcar o ritmo, libertando, eventualmente, o baterista para um diálogo com o solista, enquanto o pianista faz a base harmônica e o saxofonista aguarda pacientemente seu momento de brilhar, fazendo apenas algumas pontuações. O improviso é feito sobre uma linha melódica (um “tema”, algo como um “cabide” onde dependura-se o improviso) ou uma sequência harmônica (acordes encadeados, geralmente dissonantes, sobre os quais constrói-se o improviso). Não existe rigidez na divisão do trabalho e tal flexibilidade permite que vários os instrumentistas “dialoguem” ou se alternem para marcar o ritmo e fazer o acompanhamento, enquanto o baterista e o contrabaixista podem se tornar as figuras solistas por longos períodos de tempo. Normalmente cada músico improvisa sobre o mesmo número de compassos – mas a música e a conversação entre os músicos pode alterar esse tempo durante a execução. O resultado desse enfoque mais “libertário” é que o músico de jazz (embora praticando um gênero pouco comercial, que não lhe assegura uma fonte segura de subsistência) parece trabalhar com muito mais empenho e alegria, enquanto o músico da sinfônica é geralmente um funcionário (muitas vezes do Estado) atravessado por uma paradoxal situação que mescla sensibilidade, burocracia e, muitas vezes, baixos salários. Vários deles inclusive têm uma segunda paixão musical: o jazz. No tempo das big-bands (a “forma sinfônica” do jazz os músicos costumavam se encontrar após as apresentações formais daquela formação mais tradicional em bares de fim de noite – e foi assim que surgiu uma das formas de música mais livre de todos os tempos: o be-bop, em que o virtuosismo combina-se com muita liberdade, mas a música é de execução altamente complexa.

Um outro ponto muito importante no jazz é a inovação contínua. Muito embora nenhum músico de jazz declare como princípio o compromisso de “mudar sempre”, é claramente perceptível que o valor da música, para eles, está no fato de ser diferente, nova. Daí a recusa de tocar a mesma melodia; o músico improvisa sobre ela a tal ponto que prefere deformá-la completamente a repeti-la. A partitura é algo como um conjunto vago de orientações básicas – e não um manual para ser seguido à risca. Isso empurrou o jazz para uma sucessão de estilos que são quase tantos quantos são os músicos de jazz - o que já levou alguns autores a identificá-la como a música americana mais autêntica em função do valor ocupado pelo indivíduo e sua criatividade.

Assim os grupos de jazz absorveram manifestações musicais de todas as partes do mundo, bem como novos instrumentos, técnicas, etc. criando uma música em que é lícito afirmar que a preocupação com a novidade acompanha em passo igual a preocupação estética. Salta aos olhos a “cristalização” da orquestra sinfônica frente ao dinamismo do grupo de jazz. A orquestra é essencialmente retrógrada. Mesmo a tendência de substituir os instrumentos antigos por novos, presente desde o século XVII foi reprimida pelo movimento de preservação da autencidade sonora das orquestras, que procuram hoje muitas vezes tocar com instrumentos “de época”, para soar como nos tempos de Mozart.

4. As organizações contemporâneas e o jazz: uma metáfora possível

Vários autores já identificaram nas organizações contemporâneas pontos de similitude com as bandas de jazz. Gostaríamos aqui de definir quais os pontos que, extraídos da realidade da banda de jazz, constituem o núcleo do modelo que estamos propondo de organização “jazzística”. O trabalho em equipe surgiu na teoria administrativa desde as pesquisas de Elton Mayo na Western Electric. Associado à busca da melhoria contínua foi sempre um tema associado ao modelo japonês de gestão (toyotismo), e depois, ao modelo sueco (volvismo). Isto é, seriam características do pós-fordismo. No entanto, mesmo o modelo japonês foi descrito como sendo, na realidade, neo-fordista, marcado pela disciplina e rigidez. O volvismo seria mais libertário, mas ainda seria uma nova versão do taylorismo. O enfoque sistêmico já prevê flexibilidade, ao assumir que as organizações não são máquinas, mas “organismos vivos”, que podem responder de maneira imprevisível – embora essa imprevisibilidade seja visto como algo negativo. A teoria da contingência traz embutido um elogio à improvisação, quando diz que as estruturas organizacionais mais do que podem, têm que variar - e devem ser construídas moldando-se no tempo às múltiplas variações ambientais internas e externas.

O tema da improvisação organizacional despontou a partir da crise do fordismo como assunto de relevo crescente, como alternativa à burocratização da empresa ocidental. Assim como as pessoas, em situações de incerteza as organizações operam dentro de uma base razoável de improvisação. Para dar um exemplo no campo da ficção, lembremo-nos do filme M.A.S.H., de Robert Altman, que descreve, com muita comicidade, como um desorganizado hospital em meio ao caos da guerra pode representar uma alternativa mais válida que um hospital tradicional. Embora não estejamos em uma guerra como aquela, o confuso panorama do ambiente hoje, em virtude da velocidade das mudanças e da competitividade, parece destoar de maneira flagrante do cenário de 50 anos atrás, quando estavam consolidadas as estruturas organizacionais “fayolistas” e os processos “taylor-fordistas” até hoje hegemônicos nas organizações.

A proposição do modelo da banda de jazz não segue, evidentemente, uma preferência estética ou uma orientação política, podendo ser colocada em termos puramente “técnicos”. Uma organização, ou departamento constituído segundo esse modelo pode ou não alcançar patamares superiores de eficiência e eficácia? Colocada desta forma a questão, vários equívocos são evitados. Em primeiro lugar não se postula que esse modelo seja “o melhor”. Também não se postula que ele seja uma fase superior dentro da evolução dos formatos organizacionais. Tampouco que seja amplamente generalizável. Se a teoria da contingência-estrutural nos diz que a) os formatos organizacionais dependem de vários fatores ambientais internos e externos; b) podem variar dentro da mesma organização - então não há nenhuma razão para que uma fábrica que funcione como uma perfeita máquina burocrática (para usar a terminologia de Mintzberg) não apresente um departamento de projetos que seja uma “adhocracia” (termo cunhado por Warren Bennis), operando como uma banda de jazz.

Quando, nas organizações, há um distanciamento das atividades de rotina, o papel do gerente como controlador pode ser minimizado. Nesses momentos a rigidez na divisão do trabalho pode ser questionada, e a pressão da inovação torna difícil ser seguido um “script” muito preciso. Não deve-se confundir no entanto o modelo da banda de jazz como um modelo necessariamente acéfalo. O que acontece é o rompimento com as estruturas verticalizadas da administração tradicional e com a postura do gerente-controlador.

Podemos enumerar quais são os pontos que caracterizam esse modelo nas organizações:

1.  inexistência da gerência  - ou transição para uma gerência participativa e não-coercitiva
2.  improvisação organizacional - as tarefas, normas  e objetivos são, em alguma medida, criadas e re-criadas pelo grupo
3.  criação coletiva - as contribuições individuais harmonizam-se num todo coerente
4.  frouxa divisão do trabalho - as funções e tarefas são intercambiáveis ou partilhadas
5.  inovação contínua - o trabalho não é rotineiro e busca sempre novas criações
6.  virtuosismo dos integrantes - os envolvidos são altamente qualificados e criativos
7.  sofisticação das tarefas - a equipe não se ocupa de resolver questões simples
8.  prazer na execução - as pessoas executam trabalhos para os quais sentem-se motivadas e com os quais estão autenticamente envolvidas
9.  equipes pequenas - que possibilitam o auto-gerenciamento e muita interação entre os integrantes
10. relativa informalidade – na indumentária e no comportamento, ilustrando uma
      cultura organizacional marcada por poucas regras, liberdade e busca contínua da 
      inovação
11.  regras e conhecimento partilhados - que dão consistência e unidade às contribuições        individuais
12.  flexibilidade nos processos – tocar trompete pode incluir a percussão do instrumento na bateria, assim como o Post-it da 3M foi criado a partir do marcador do livro de orações de um funcionário.


Como se pode notar todas estas características estão presentes na banda de jazz e simultaneamente em muitas organizações ou departamentos voltados para a inovação ou solução de problemas complexos.


Como exemplos eloquentes da vitalidade do modelo banda de jazz alinham-se as chamadas “superequipes” (“equipes de alto-desempenho” ou “equipes multifuncionais”) e “forças-tarefa” (“task-force”) - nomes atribuídos genericamente às equipes auto-administradas (ou “grupos semi-autônomos”), geralmente compostas por algo entre três e trinta integrantes, geralmente oriundos de várias áreas da corporação para resolver problemas complexos. As equipes auto-administradas rompem com a hierarquia, fazem seus horários de trabalho, determinam suas cotas de produtividade e interagem com os consumidores. Nos EUA grandes corporações como Federal Express, 3M e Gillette usam superequipes em áreas tão diversas quanto finanças ou criação de novos produtos, em projetos ou na resolução de problemas específicos. Estima-se que esses grupos aumentem substancialmente a produtividade das empresas que os utilizam – e sua remuneração costumeiramente é calculada como um percentual da economia que proporcionam ou da receita que possibilitam. Mesmo em processos que buscam a racionalidade absoluta, como a tomada de decisão (a despeito das observações de Herbert Simon sobre as limitações da racionalidade do decisor) uma abordagem algo “desorganizada” como o “modelo da lata de lixo” pode ser considerada mais adequada em certos casos, gerando melhores resultados que a “otimização” da decisão a qualquer custo. O “modelo da lata de lixo” ilustrado por Daft nas decisões de produção do filme Casablanca, de Michael Curtis, assemelha-se bastante à improvisação jazzística, uma vez que o músico, ao improvisar, quando tem de decidir a próxima nota que vai tocar tem inúmeras possibilidades de escolha – e esta escolha, embora pareça bastante racional e individual é, na verdade, marcada pelo que fazem os outros músicos, pela continuidade do solo do próprio executante, pelos aplausos e comportamento do público, pela facilidade em alcançar a nota, pelas possibilidades do instrumento e por uma dose de aleatoriedade advinda do lado inconsciente da execução. Ainda que o decisor organizacional conseguisse ser cem por cento racional (o que é, segundo Herbert Simon, impossível), o mundo à sua volta certamente não o é. É claro que isto também não é generalizável – mas a cada dia, menos modelos são generalizáveis. Mesmo os produtos respeitavelmente padronizados como a Coca-Cola atravessam um momento de “customização” - isto é, o oposto da generalização.


No entanto, o modelo organizacional inspirado nas bandas de jazz pode enfrentar os mesmos problemas que os próprios grupos musicais enfrentam. O primeiro deles diz respeito à tensão Individual X Coletivo. A criação coletiva, isto é, o resultado final pode ficar comprometido se algum músico resolver destacar em demasia o seu “solo” - porque será imediatamente repreendido pelos demais, criando problemas de convivência.  Um segundo problema diz respeito ao virtuosismo exagerado do grupo, que pode se perder demais na execução, procurando um perfeccionismo que pode ferir a objetividade na busca dos resultados. A música torna-se irreconhecível e desagradável para a platéia, ou os cientistas do projeto perdem-se em pesquisas infrutíferas para o mercado. Publicitários também são acusados de fazer publicidade “genial” para ganhar prêmios, mas pouco efetivas para o consumidor; empresas de consultoria terminam trabalhos com relatórios eruditos que jamais solucionarão os problemas da organização que pretendem auxiliar. Outro problema é: como disciplinar um grupo talentoso? E como remunerá-lo? Certamente uma banda de jazz não aceitará com docilidade a batuta de um maestro... E a remuneração “para a equipe” pode parecer injusta para uma estrela que brilha um pouco mais, mesmo em um grupo “all stars”... Raciocínios similares podem ser feitos para equipes multifuncionais e trabalhadores polivalentes.


Com ou sem problemas, já existem experiências em número suficiente para afirmar que o modelo da banda de jazz não é um devaneio teórico. Empresas de consultoria e publicidade, organizações da área de microeletrônica e informática, organizações virtuais, departamentos de projetos, pesquisa e desenvolvimento de produtos, organizações do Terceiro Setor ou da área cultural, entre outras, têm buscado inconscientemente se aproximar desse modelo. Se ele será para sempre minoritário é algo que não se pode prever, mas parece o mais provável. Mas assim como o jazz já teve sua morte prevista várias vezes e continua vivo como sempre, diversificando-se e assimilando novas influências - e até atraindo mais ouvintes – pode-se supor que o modelo jazzístico organizacional terá uma vida longa, similar à música, sem pretensões de hegemonia. O que é certo poder-se afirmar que representa uma visão criativa dentro do campo da Administração contemporânea – hoje em dia tão mal visto em função das reengenharias e processos de branding e downsizing das últimas décadas do século XX.


Quando assumiu há alguns anos a autoria do livro “História Social do Jazz” - que tinha publicado sob pseudônimo na década de 60, temendo, segundo revelou, associar seu nome a um tipo de música “negra e alternativa”, vista com preconceito pelos influentes, mas conservadores, intelectuais britânicos – o historiador inglês Eric Hobsbawn estava selando um fato consumado: o jazz tornou-se um gênero tão respeitável quanto a música erudita. A metáfora do jazz nas organizações caminha na mesma direção: improvisação e criatividade não são “o caos” – podem, ao contrário, ser a única alternativa para rejuvenescer, ou mesmo salvar organizações engessadas por estruturas funcionais tradicionais e processos operacionais rígidos.


O modelo do jazz nas organizações já mereceu ensaios de vários autores (um número inteiro da RAE). Estes estudos frequentemente tratam a relação entre a improvisação e inovação.  Embora a proposição aqui descrita tenha sido construída de modo independente, ao se comparar os estudos, há similaridades. Ou seja – podemos aguardar Miles Davis na capa da Harvard Business Review. (Se vier com um disco anexado, melhor ainda...).

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